sábado, 31 de janeiro de 2009

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Homenagem a Walt Whitman


Walt foi um dos maiores poetas americano que lutou pela democracia e seus ideais. Ninguém como ele até então enalteceu, com versos soberbos, o regime dos Estados Unidos da América, além de ter iniciado a emancipação da literatura do seus país do costume de imitar os europeus. Ferndo Pessoa tinha tamanha admiração por Walt que dedicou-lhe uma saudação e esta intitulava-se por:

Saudação a Walt Whitman


"Portugal Infinito, onze de junho de mil novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!
De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro,
Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,
Eu, de monóculo e casaco exageradamente cintado,
Não sou indigno de ti, bem o sabes, Walt,
Não sou indigno de ti, basta saudar-te para o não ser...
Eu tão contíguo à inércia, tão facilmente cheio de tédio,
Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te,
E embora te não conhecesse, nascido pelo ano em que morrias,
Sei que me amaste também, que me conheceste, e estou contente.
Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste,
Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklyn Ferry dez anos antes de eu nascer,
Quer pela Rua do Ouro acima pensando em tudo que não é a Rua do Ouro,
E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de mãos dadas,
De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo na alma.
Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos,
Concubina fogosa do universo disperso,
Grande pederasta roçando-te contra a adversidade das coisas,
Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões,
Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações,
Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo,
Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes,
E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus!
Cantor da fraternidade feroz e terna com tudo,
Grande democrata epidérmico, contágio a tudo em corpo e alma,
Carnaval de todas as ações, bacanal de todos os propósitos,
Irmão gêmeo de todos os arrancos,
Jean-Jacques Rousseau do mundo que havia de produzir máquinas,
Homero do insaisissable de flutuante carnal,
Shakespeare da sensação que começa a andar a vapor,
Milton-Shelley do horizonte da Eletricidade futura! incubo de todos os gestos
Espasmo pra dentro de todos os objetos-força,
Souteneur de todo o Universo,
Rameira de todos os sistemas solares...
Quantas vezes eu beijo o teu retrato!
Lá onde estás agora (não sei onde é mas é Deus)
Sentes isto, sei que o sentes, e os meus beijos são mais quentes (em gente)
E tu assim é que os queres, meu velho, e agradeces de lá —,
Sei-o bem, qualquer coisa mo diz, um agrado no meu espírito
Uma ereção abstrata e indireta no fundo da minha alma.
Nada do engageant em ti, mas ciclópico e musculoso,
Mas perante o Universo a tua atitude era de mulher,
E cada erva, cada pedra, cada homem era para ti o Universo.
Meu velho Walt, meu grande Camarada, evohé!
Pertenço à tua orgia báquica de sensações-em-liberdade,
Sou dos teus, desde a sensação dos meus pés até à náusea em meus sonhos,
Sou dos teus, olha pra mim, de aí desde Deus vês-me ao contrário:
De dentro para fora... Meu corpo é o que adivinhas, vês a minha alma —
Essa vês tu propriamente e através dos olhos dela o meu corpo —
Olha pra mim: tu sabes que eu, Álvaro de Campos, engenheiro,
Poeta sensacionista,
Não sou teu discípulo, não sou teu amigo, não sou teu cantor,
Tu sabes que eu sou Tu e estás contente com isso!
Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali sentir demais...
Atravesso os teus versos como a uma multidão aos encontrões a mim,
E cheira-me a suor, a óleos, a atividade humana e mecânica.
Nos teus ver sos, a certa altura não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos,
Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural,
Ou de cabeça pra baixo, pendurado numa espécie de estabelecimento,
No teto natural da tua inspiração de tropel,
No centro do teto da tua intensidade inacessível.
Abram-me todas as portas!
Por força que hei de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma...
Passo sem explicações...
Se for preciso meto dentro as portas...
Sim — eu, franzino e civilizado, meto dentro as portas,
Porque neste momento não sou franzino nem civilizado,
Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,
E que há de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!
Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui pra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá a vida.
O espírito que dá a vida neste momento sou EU!
Que nenhum filho da... se me atravesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!
Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo,
E comigo, com Deus, com o sentido-eu da palavra Infinito...
Pra frente!
Meto esporas!
Sinto as esporas, sou o próprio cavalo em que monto,
Porque eu, por minha vontade de me consubstanciar com Deus,
Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa,
Conforme me der na gana... Ninguém tem nada com isso...
Loucura furiosa! Vontade de ganir, de saltar,
De urrar, zurrar, dar pulos, pinotes, gritos com o corpo,
De me cramponner às rodas dos veículos e meter por baixo,
De me meter adiante do giro do chicote que vai bater,
De ser a cadela de todos os cães e eles não bastam,
De ser o volante de todas as máquinas e a velocidade tem limite,
De ser o esmagado, o deixado, o deslocado, o acabado,
Dança comigo, Walt, lá do outro mundo, esta fúria,
Salta comigo neste batuque que esbarra com os astros,
Cai comigo sem forças no chão,
Esbarra comigo tonto nas paredes,
Parte-te e esfrangalha-te comigo
Em tudo, por tudo, à roda de tudo, sem tudo,
Raiva abstrata do corpo fazendo maelstroms na alma...
Arre! Vamos lá pra frente!
Se o próprio Deus impede, vamos lá pra frente Não faz diferença
Vamos lá pra frente sem ser para parte nenhuma
Infinito! Universo! Meta sem meta! Que importa?
(Deixa-me tirar a gravata e desabotoar o colarinho .
Não se pode ter muita energia com a civilização à roda do pescoço ...)
Agora, sim, partamos, vá lá pra frente.
Numa grande marche aux flabeux-todas-as-cidades-da-Europa,
Numa grande marcha guerreira a indústria, o comércio e ócio,
Numa grande corrida, numa grande subida, numa grande descida
Estrondeando, pulando, e tudo pulando comigo,
Salto a saudar-te,
Berro a saudar-te,
Desencadeio-me a saudar-te, aos pinotes, aos pinos, aos guinos!
Por isso é a ti que endereço
Meus versos saltos, meus versos pulos, meus versos espasmos
Os meus versos-ataques-histéricos,
Os meus versos que arrastam o carro dos meus nervos.
Aos trambolhões me inspiro,
Mal podendo respirar, ter-me de pé me exalto,
E os meus versos são eu não poder estoirar de viver.
Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!
Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!
Não quero intervalos no mundo!
Quero a contigüidade penetrada e material dos objetos!
Quero que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas,
Não só dinamicamente, mas estaticamente também!
Quero voar e cair de muito alto!
Ser arremessado como uma granada!
Ir parar a... Ser levado até...
Abstrato auge no fim cie mim e de tudo!
Clímax a ferro e motores!
Escadaria pela velocidade acima, sem degraus!
Bomba hidráulica desancorando-me as entranhas sentidas!
Ponham-me grilhetas só para eu as partir!
Só para eu as partir com os dentes, e que os dentes sangrem
Gozo masoquista, espasmódico a sangue, da vida!
Os marinheiros levaram-me preso,
As mãos apertaram-me no escuro,
Morri temporariamente de senti-lo,
Seguiu-se a minh'alma a lamber o chão do cárcere privado,
E a cega-rega das impossibilidades contornando o meu acinte.
Pula, salta, toma o freio nos dentes,
Pégaso-ferro-em-brasa das minhas ânsias inquietas,
Paradeiro indeciso do meu destino a motores!
He calls Walt:
Porta pra tudo!
Ponte pra tudo!
Estrada pra tudo!
Tua alma omnívora,
Tua alma ave, peixe, fera, homem, mulher,
Tua alma os dois onde estão dois,
Tua alma o um que são dois quando dois são um,
Tua alma seta, raio, espaço,
Amplexo, nexo, sexo, Texas, Carolina, New York,
Brooklyn Ferry à tarde,
Brooklyn Ferry das idas e dos regressos,
Libertad! Democracy! Século vinte ao longe!
PUM! pum! pum! pum! pum!
PUM!
Tu, o que eras, tu o que vias, tu o que ouvias,
O sujeito e o objeto, o ativo e o passivo,
Aqui e ali, em toda a parte tu,
Círculo fechando todas as possibilidades de sentir,
Marco miliário de todas as coisas que podem ser,
Deus Termo de todos os objetos que se imaginem e és tu!
Tu Hora,
Tu Minuto,
Tu Segundo!
Tu intercalado, liberto, desfraldado, ido,
Intercalamento, libertação, ida, desfraldamento,
Tu intercalador, libertador, desfraldador, remetente,
Carimbo em todas as cartas,
Nome em todos os endereços,
Mercadoria entregue, devolvida, seguindo...
Comboio de sensações a alma-quilômetros à hora,
À hora, ao minuto, ao segundo, PUM!
Agora que estou quase na morte e vejo tudo já claro,
Grande Libertador, volto submisso a ti.
Sem dúvida teve um fim a minha personalidade.
Sem dúvida porque se exprimiu, quis dizer qualquer coisa
Mas hoje, olhando para trás, só uma ânsia me fica —
Não ter tido a tua calma superior a ti-próprio,
A tua libertação constelada de Noite Infinita.
Não tive talvez missão alguma na terra.
Heia que eu vou chamar
Ao privilégio ruidoso e ensurdecedor de saudar-te
Todo o formilhamento humano do Universo,
Todos os modos de todas as emoções
Todos os feitios de todos os pensamentos,
Todas as rodas, todos os volantes, todos os êmbolos da alma.
Heia que eu grito
E num cortejo de Mim até ti estardalhaçam
Com uma algaravia metafisica e real,
Com um chinfrim de coisas passado por dentro sem nexo.
Ave, salve, viva, ó grande bastardo de Apolo,
Amante impotente e fogoso das nove musas e das graças,
Funicular do Olimpo até nós e de nós ao Olimpo".


Álvaro de Campos.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O significado da Mensagem

A Mensagem é a expressão poética dos mitos, não se trata de uma narrativa sobre os gloriosos feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim de um grande Império de teor espiritual, da construção de uma supra - nação, através da ligação ocidente e oriente. Não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossos reis que interessam mas as suas atitudes e o que eles representam, deste modo o assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão a cumprir.
As figuras dos reis são símbolos com diferentes significados. Na primeira parte encontramos o símbolo do brasão que representa o princípio da nacionalidade.
“Ulisses” é o símbolo da representação dos mitos. Apesar de não ter existido bastou a sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao entrar na realidade, faz o milagre da vida para “cá em baixo” assumir um papel insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica! “Sem existir nos bastou (…) Por não ter vindo foi vindo (…) E nos criou.” O que importa é o que representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal português.
“D. Dinis” é o símbolo da importância da poesia na construção do Mundo. Pessoa vê este rei como capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções. Foi ele que mandou plantar o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade.
“D. Sebastião” representa o símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o homem sem loucura não é nada; é apenas uma besta que nasce, procria e morre, sem viver! Ora D. Sebastião, apesar de ter falhado o acontecimento épico no norte de África, foi em frente e morreu por um ideal de grandeza e essa, é a ideia que deve persistir: “Ficou meu ser que houve, não o que há (…) Minha loucura, outros que a tomem (…) Com o que nela ia.”
Na segunda parte encontramos como aspecto principal o mar português: a realização através do mar em que heróis empossados da grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da Nação.
“O Infante” é o símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”
“Mar Português” é o símbolo do sofrimento por que passaram os portugueses: a construção de uma supra - nação, de uma Nação mítica implica o sofrimento do Povo: “ Ó mar salgado, quanto do teu sal (…) São lágrimas de Portugal!”.
“O Mostrengo” representa o símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram de enfrentar para realizar os seus sonhos. O Mostrengo é uma alegoria do medo que tenta impedir os portugueses de realizarem o seu destino.
Na terceira parte encontramos O ENCOBERTO que significa a morte ou fim das energias latentes.
“O Quinto Império” é o símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam, há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro, há que estar inquieto e descontente com o que se tem e o que se é! “Triste de quem vive em casa (…) Contente com o seu lar (…) Sem um sonho, no erguer da asa (…) Triste de quem é feliz”
“Nevoeiro” é o símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto como um Estado como emocionalmente, mentalmente, etc. Algo ficou consubstanciado, pois temos o desejo de voltar a ser o que éramos, “Que ânsia distante, perto chora”, mas não temos os meios “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra…”
Esta é a principal obra de "Pessoa ele mesmo" o ortónimo, uma colectânea de poemas sobre os grandes personagens históricos portugueses. O livro foi, também, o único a ser publicado enquanto foi vivo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Alberto Caeiro e eu

Apresenta-se como um simples “guardador de rebanhos ”que só se importa com uma forma objectiva e natural realidade com a qual contacta a todo o momento.
Considera que “pensar é estar doente dos olhos”, ver é conhecer e compreender o mundo, por isso pensa vendo e ouvindo. Além disso Caeiro é um poeta da Natureza que está de acordo com ela e a vê na sua contente renovação. E porque só existe a realidade, o tempo é ausência de tempo sem passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são unidade do tempo.
Caeiro só se interessa por aquilo que capta pelas sensações. Nesta medida, é um sensacionalista. Vive aderindo espontaneamente às coisas, tais como são, e procura gozá-las com despreocupação o conteúdo original da Natureza, vivendo em harmonia com esta. É sem duvida um mestre para mim, para Pessoa e de outros heterónimos. Dá espacial importância ao acto de ver, mas é sobre tudo a inteligência que discorre sobre as sensações. Passeando e observando o mundo, personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza.
Caeiro com a intelectualidade do seu olhar liberta-se dos preconceitos, recusa a metafísica, o misticismo e o sentimentalismo social e individual.
Alberto Caeiro olha para os elementos da Natureza e está sempre atento (animal humano que a natureza produzido). O pensamento para ele gere infelicidade, dor de pensar. Então por isso aceita o mundo tal como é, aceitando a morte estando em comunhão com a natureza, respeitando a terra, usando os seus sentidos como a visão e a audição, recusando o mistério, vendo Deus em tudo ao seu redor, sendo um realista ingénuo com um vocabulário simples e pobre lexicalmente.
Identifico-me muito com Caeiro, pois as vezes sinto-me em comunhão com a natureza e as vezes apercebo-me de uma certa ingenuidade nos meus pensamentos. Tal como Caeiro as vezes não penso apenas vejo, sinto e ouço. Mas quando não tenho inspiração não me esforço nem penso apenas paro e busco com um olhar ao meu redor, ela vem naturalmente, vem com um olhar, uma melodia ou um simples perfume no ar, é só aguardar. Para que pensar, me irritar se ela acaba sempre por voltar? Resta-me apenas esperar, assim como se espera o despontar de uma pequena planta na terra e quando ela volta, a que saber agarra-la com cuidado pois se for apertada ela escapa-nos pelos dedos como areia fina da praia.
Caeiro tem muito para nos ensinar sobre a natureza, a vida e como a deve-mos observar. Aqui vai uma pequena parte do poema de Caeiro com que eu me identifico.
"Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o.
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.

O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.

Não sei o que é a Natureza: canto-a.
Vivo no cimo dum outeiro
Numa casa caiada e sozinha,
E essa é a minha definição."


in "O Guardador de Rebanhos"

sábado, 17 de janeiro de 2009

Sentimentos de Ricardo Reis


Ricardo Reis é um poeta de formação clássica, de serenidade epicurista, "pagão por carácter", segue Caeiro no amor da vida rústica, junto da natureza, junto á terra que nos dá frutos e que nos sustenta.
Ricardo Reis aceita com calma a lucidez, a relatividade e a fugacidade das coisas, como o demonstra no poema “ Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do Rio”. Mas, enquanto o Mestre, menos culto e complicado pretende ser ou chega a ser um homem franco e alegre. Reis é um ressentido que sofre e vive o drama da transitoriedade doendo-lhe o desprezo dos deuses.
A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurista triste, pois defende o prazer do momento (Carpe Diem) como o caminho para a felicidade, contudo, aflige-se com a imagem antecipada da Morte e a dureza do Fado.
Apesar deste prazer na procura pela felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino. Sendo assim Reis um poeta lúcido e cauteloso, constrói, para si a urna da felicidade - relativa, mista de resignação e moderado gozo dos prazeres que não comprometam o seu interior.
Para finalizar, podemos concluir que através da intemporalidade das suas preocupações, a angústia da brevidade da vida, a inevitável Morte e a interminável busca de estratégias de limitação do sofrimento que caracteriza a vida humana, Reis tenta iludir o sofrimento resultante da consciência aguda da precariedade da vida.
Excertos de Ricardo Reis:
"Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.” (1914)
"Ah! sob as sombras que sem querer nos amam,
Com um púcaro de vinho
Ao lado, e atentos só à inútil faina
Do jogo do xadrez" (1916)


Fonte:Http://pt.wikipedia.org/wiki/Ricardo_Reis

sábado, 10 de janeiro de 2009

Raymond Queneau

Raymond Queneau nasceu em Le Havre, Normandia, foi único filho de Auguste Queneau e Joséphine Mignot. Raymond formou-se em latim, grego, filosofia e estudou na Sorbonne.
Mais tarde teve os seus trabalhos editados pela Gallimard, editora dos vanguardistas franceses, onde começou como leitor em 1938 e depois secretário-geral, trabalhando também na Enciclopédia la Pléiade em 1956.
Em 1950 entra no grupo surrealista Collège de Pataphysique, torna-se eleito para a Academia do Humor (Académie Goncourt) em 1951.
Em França é destacado como autor em 1959 com a publicação do romance “Zazie dans le metro”, (mais tarde adaptado para o cinema) concebido com uma linguagem coloquial opondo-se ao francês escrito na época.
Uma das suas obras mais importantes é o livro “Exercícios de Estilo”, que consiste na apresentação de 99 textos em formas estilísticas diferentes que relatam o mesmo acontecimento presenciado numa paragem de autocarro. Um fait-divers que serve de pretexto para 99 exercícios brincalhões. Alguns desses textos são nos lidos no inicio de cada aula de português. Eu gostei bastante de ouvi-los, porque são extremamente interessantes e mostra-nos que as pessoas apesar de viverem a mesma situação não reagem nem descrevem da mesma forma o que vêem. Para mim, Raymond é um génio, porque é preciso ter-se uma mente muito aberta para descrever a mesma situação mas com uma intenção completamente diferente. Penso que este livro mostra-nos como brincar com a forma estilística das frases, mostra-nos que podemos descrever o que vê-mos com diferentes formas e intenções basta libertar a imaginação e os sentimentos que temos dentro de nós, pois quando estou de mau humor faço uma descrição diferente de quando estou bem-humorada. Por exemplo se pisa-se em terra húmida, poderia descrever “Raios acabei de pisar na lama!” ou então “Quando dei um passo senti a terra húmida e maleável a envolver o meu sapato. “, como podem ver são situações iguais mas com uma descrição totalmente diferente. Penso que todos nós somos capazes de mudar a maneira de ver as coisas ate mesmo os problemas no nosso mundo e da terra, quem sabe se apareceria uma solução se pensássemos assim. Podia-mos todos libertar as nossas diferentes visões de ver o mundo assim como Fernando Pessoa libertou. Mas Fernando Pessoa fez mas do que isso, ele deu “vida” as suas diferentes formas de ver o mundo, criou personagens com as suas diferentes visões. Acho que isso iria libertar o stress de muita gente.